Enquanto ele mirava o chão, ela falava em um tom de voz um pouco alto. Não gritava, mas era alto. Ele não gostava de ouvir. Os sermões nunca lhe fizeram bem e nem lhe ajudavam. Adriana falava fazendo questão de revisar todos os seus erros. Com a cabeça baixa ele seguia os objetos da sala com seus olhos. Era como se ele quisesse ser um desses objetos. Fugir, sumir, se esconder.
Olhá-la nos olhos o fazia muito mal... Ela falou muito. Ele gravou tudo, mas principalmente as partes como: “Você não pensou nisso?”, ou, “Como pode fazer isso?” e “Onde você aprendeu isso?”. No entanto, o que mais lhe pesava, era que a cada início de frase, ela repetir seu nome.
- Antônio...
Como falta empatia nas pessoas, ele não conseguia entender. Depois de três anos fazendo um bom trabalhando. O mesmo trabalho! Com alguns erros, mas muito mais acertos! Elevando o nome da empresa, sendo um funcionário exemplar, nunca perdendo tempo ou fugindo da responsabilidade. Dão-lhe uma bronca como se tivesse falido a empresa! Isso era como jogar uma montanha sobre sua cabeça.
- Você precisa melhorar, é um bom funcionário, mas ultimamente está mal. Estávamos pensando em uma promoção para você, mas desse jeito. Não há como...
“Como podem me julgar assim”, pensava ele. Seus olhos miravam seus pés. Ele realmente queria morrer. Não entendia como podia julgar ele por apenas um erro! Esquecia-se de todos seus anos de trabalho. Suspirava. Tentava se conformar. Mas concluía, em seus pensamentos: “Na vida, não há muito espaço para erros, equívocos ou acidentes. Toda a infração é sempre punida”.
- Bom, tenho que ir. - Diz ela olhando o relógio.
Ela se despede e sai. Ele não diz nada. Ao sentar-se, sente as marteladas do sermão na sua cabeça.
- Você é um bom funcionário... As frases latejam.
Senta-se na cadeira. Olha os papéis na sua mesa. Seus olhos passam duas vezes por cima dos mesmos. Não sabe o que fazer. Pega o primeiro documento e começa a trabalhar. Tenta não pensar em nada. Somente no trabalho. As horas passam, e quando olha o relógio, está na hora de ir embora.
As luzes estão todas apagadas. Ele sempre é o ultimo a sair. Caminha até o elevador e aperta o botão. O silêncio lhe fazia bem. Era como a calmaria depois da tempestade. Ou o silêncio depois da guerra. Podemos estar mortos ou feridos, mas temos pelo menos, um momento de paz.
Ao descer do elevador, um amigo lhe esperava para convidá-lo a sair. Realmente, beber lhe faria bem, pensa Antônio, mas não. Achou melhor ir para casa.
No caminho, tentava pensar em algo sem importância, na viajem que planejava, no livro que estava lendo, no curso que pensava em fazer. Coisas que lhe faziam bem. Mas a todo o momento as sombras dos seus erros cobriam seus pensamentos. Ele lembrava o que tinha feito. Imaginava como poderia ter impedido. Mas agora, já era tarde...
Havia chegado a sua casa. Morava sozinho fazia anos. Acostumou-se. Não tinha animais. Sua irmã morava longe, seus melhores amigos também. Foi difícil no começo, mas depois foi só ocupar seu tempo. Livros, esporte, estudo, o ajudavam a esquecer a solidão. Como não podia evitá-la, ele a esquecia. Lembrava-se dela, em noites como essa.
Olha o prato de comida em sua mesa. Está sem fome, mas sente um profundo vazio dentro de si. Arruma as coisas e vai dormir.
É segunda pela manhã, sua cabeça doía. Precisa estar pronto para o trabalho em uma hora. Levanta e vai até o banheiro. Começa a escovar os dentes. O telefone toca.
- Alô - diz com a escova na boca.
- Antônio nosso tio Carlos faleceu...
Ele para de escovar os dentes e fica em silêncio. Pensa no problema que seria ir até sua casa. Sua irmã ao telefone lhe explicava suspirando como estavam todos e como seu tio havia morrido. Percebendo o silêncio do seu irmão, que não dizia nada enquanto ela falava, ela pergunta:
- Você está bem? Diz como se fosse começar a chorar.
- Quando foi Sofia? Ele cospe na pia e pergunta, parecendo recuperar a consciência.
- Ontem. Ele estava muito mal. Você vem para casa? Diz em tom de esperança.
- Sim, vou ver isso no trabalho... Agora ele tinha um problema maior que seu erro no trabalho. Ele precisava voltar para casa.
Ele desliga o telefone. Lava a cara e guarda a escova. Vai até seu quarto. Senta na cama e pensa no que fazer. Não encontra uma solução. Põe a mala em cima da cama. Vai jogando algumas coisas em cima da cama. Para um momento. “Trabalhar não seria uma má idéia”. Realmente não queria ir para casa. Esses momentos eram difíceis! Mas não havia o que fazer. Caso não fosse ao enterro iria ter que agüentar os olhares e as perguntas de sua família e amigos. Mas principalmente teria que agüentar sua irmã chorando mais do que o normal. Havia que enfrentar a situação. Foi ao seu trabalho. Ao chegar à sala de sua chefa, estava conversando com outra pessoa. Ele fica parado na porta esperando que ela o atenda.
Adriana age como se não houvesse ninguém na porta. Gesticula, mostra uns papéis e agarra uma pasta. Diz para pessoa com quem fala que vai sair.
- O que você quer? Pergunta para ao Antonio ao vê-lo na porta quando saía.
- Meu tio faleceu, ele era um parente muito próximo, depois que minha mãe morreu.
Ele tinha todo um discurso preparado, pois tinha impressão que sua chefa não ia deixá-lo ir. Mas o que mais o surpreendeu foi a compaixão dela.
- Que tragédia Antonio! Dizia ela ao abraçá-lo.
Ela parecia outra pessoa. Seus olhos se enchiam de lágrimas, enquanto contava que também havia perdido um parente há pouco tempo. Para ele essa situação estava realmente constrangedora. Ela diz que ele pode tirar os dias que forem necessários. E vai mandar flores. Ele agradece e sai.
Ao chegar a sua casa, sua irmã o recebe. Ela está com a cara inchada e os olhos cheios de lágrimas.
- Antônio, como é bom que você tenha vindo! Ela o abraça forte, leva-o até a sala, continua: Depois de você, ele era a pessoa mais próxima de mim.
Ele não sabia o que dizer. Apesar de ser sua irmã, Antônio nunca teve muita afinidade com ela. Ela o abraçava e não parava de chorar. Eles estavam no sofá da sua casa. Havia alguns amigos e uns parentes. As pessoas olhavam para os dois com um olhar de pena. Ele se sentia sem ação. E começa a pensar o porquê não queria ter vindo.
Não havia muito que fazer com a morte. Era preciso aceitá-la. Sua irmã não entendia isso muito bem, assim como não entendeu quando ele decidiu ir embora. Ela chorou da mesma forma. Ele nunca foi muito ligado a ela ou a sua família. Seu tio, que havia morrido, sempre o condenou por isso.
- Você precisa cuidar da sua irmã. Ela é mais nova, você precisa ser mais responsável por sua família. Dizia seu tio, com um tom de voz de pena...
A conversa durou uma hora no dia antes de ele ir. Mas Antônio estava decidido. Iria para outra cidade. Ele queria ficar sozinho, queria ter uma vida em outro lugar. E isso ninguém nunca entendeu.
Ele se sentia sozinho às vezes, mas isso não era culpa dele. Ele nunca conseguiu se adaptar as pessoas, a sociedade. O mundo a sua volta era muito complicado. As pessoas lhe culpavam por não chorar, por não sentir pena, por não acreditar em deus. Por não querer ser igual.
Como podiam querer que ele vivesse assim? Seus olhares repressores, sempre ficaram gravados em sua memória. Por isso evitava olhar nos olhos. Estava cansado dos olhos repressores de seu tio e sua irmã. Por isso foi embora. Estava cansado, não só da falta de empatia, mas também da falta de sinceridade. Por isso não se misturava.
Seu tio havia sido enterrado. Sua irmã chorou como se fosse o fim. Algumas vezes ele chegava a pensar que as pessoas têm necessidade de se sentir miseráveis, sozinhas e tristes. Sua irmã parecia assim, “Você não tem pena de mim?”, dizia ela, quando ele disse que não voltaria para casa. Ele realmente não tinha pena, não dela...
Sentando diante de um copo de uísque, pensava na sua semana. A briga com sua chefa, a morte de seu tio, sua irmã e sua solidão. Todos só haviam lhe feito mal. Haviam lhe ajudado a sentir o quanto errado estava em não ser como os outros. Todos queriam convencê-lo do quão importante era a compaixão e a culpa. Queriam que ele se compadecesse dos outros.
Ele toma um gole. Sorri. Mira bem profundamente seus olhos no reflexo do copo. Se existe alguém por quem ele sente compaixão ou culpa esse alguém era ele mesmo.
OBS: Esse é meu primeiro conto. Ele é uma homenagem ao escritor e filósofo Albert Camus.
João Diego.
29 de agosto de 2010
Buenos Aries
Nenhum comentário:
Postar um comentário