Foi aprovado no mês de agosto o Estatuto da Juventude (LEI Nº 12.852), que entre outras coisas, muda a forma como o direito a meia-entrada vinha sendo aplicado. De acordo com a nova lei, todos os estudantes de ensino médio, profissionalizante, superior, seja público ou privado, serão obrigados a possuir a Carteira de Identificação Estudantil (CIE) para adquirir o direito a meia-entrada. Esse documento será expedido pelas entidades nacionais como Associação Nacional dos Pós-Graduandos, a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES). Diretórios Centrais de Estudantes e as Uniões Municipais Secundaristas também poderão emitir a CIE.
A “grande” conquista comemorada pela UNE e UBES foi ter uma quota de 40% dos ingressos reservados para a meia-entrada. Ou seja, de agora em diante um cinema com 100 lugares terá 40 reservados para a meia-entrada. Caso você possua a CEI e chegue após terem esgotado a quota, terá que pagar inteira. A lei passa a valer apenas em 2014.
Imposto sindical do movimento estudantil
Ao contrário do que afirma a direção majoritária da UNE e UBES, a atual lei é um regresso. Afinal, obriga os estudantes a comprar a CEI para ter o direito à meia-entrada, independente de o jovem concordar ou não com a política da entidade. É uma imposição de filiação e contribuição. Um imposto sindical do movimento estudantil.
Afinal, assim como o trabalhador sindicalizado é obrigado a contribuir uma vez ao ano para sua entidade de classe, as direções das entidades estudantis estão obrigando os estudantes, filiados ou não, a sustentar essas organizações estudantis através da compra da carteirinha, uma vez ao ano.
Isso fragiliza a independência das entidades estudantis, pois independente do estudante querer ou não participar do movimento estudantil ele irá garantir dinheiro para essas organizações, ao pagar a carteirinha. Isso pode criar, ou já criou, uma casta de burocratas que não conhecem a base do movimento estudantil é só servem para barrar os estudantes na luta pelos seus direitos. Também pode acontecer de muitas entidades, virarem empresas de emissão de carteirinha e só irem às escolas para recolher dinheiro das CEI.
A nova lei é antidemocrática
A nova lei não respeita as minorias políticas, nem as ideologias diferentes. Por exemplo, caso um jovem anarquista queira ter acesso ao direito, ele terá que contribuir com essas entidades, mesmo que isso vá contra os princípios ideológico-filosóficos. Caso ele se mantenha fiel a suas ideias, não poderá ter o direito. Outro problema é que se uma entidade formada só por anarquistas quiser emitir a carteirinha ela não poderá, pois limita a emissão pelas entidades já citadas.
Uma das “justificativas” da lei é a fiscalização. Com menos emissores, ficaria mais fácil fiscalização, pois em 2001, quando o governo federal emitiu Medida Provisória Nº 2.208, que quebrava o “monopólio” das entidades estudantis todos puderam fazer carteirinhas, isso gerou um grande número de falsificações.
Em nenhum momento defendo a emissão de carteirinha por entidades estudantis, muito pelo contrário. Todo o jovem menor de idade deveria ter direito a meia-entrada, afinal ele deveria estar estudando e não é problema do estudante não estar. Para adquirir esse direito ele deveria apenas apresentar a carteira de identidade.
No caso dos estudantes com idade acima de 18 anos, as carteiras de estudantes deveriam ser emitidas de forma padrão pelas secretarias de educação. Poderiam se fazer o mesmo processo que se faz com a carteira de identidade.
Da forma como está, aonde somos obrigados a pagar para ter a CEI e ai conseguir o direito a meia-entrada, está semelhante ao direito de ir e vir. Nós o temos inscrito na constituição, mas precisamos pagar a passagem para poder ir e vir.
Filiação estudantil
Entendo que as entidades estudantis devem possuir uma identificação estudantil, mas isso não pode estar atrelado ao direito à meia-entrada.
Como nos sindicatos, a carteirinha deve ser símbolo da filiação as entidades de base (que no caso dos estudantes são os DCE, CAS e Grêmios), essas entidades decidirão o quanto cada filiado teria que pagar e com que periodicidade. Esse pagamento poderia ser por depósito em conta, no caso dos universitários. Os secundaristas poderiam passar uma caixinha nas salas. Também decidem, por meio de assembleias, se querem ou não se filiar as entidades municipais, estaduais e nacionais e quanto irão repassar do que arrecadam.
As filiações não precisam ser única fonte de renda do movimento estudantil. Podem-se organizar outras formas de arrecadar dinheiro como vender camisetas, fazer shows e festas. O mais importante disso tudo é que o financiamento da Une, Ubes e ANPG não estaria mais atrelado ao estado, mas aos estudantes, únicos interessados que suas entidades sejam independentes.
A conquista da meia-entrada
“A gente quer inteiro
E não pela metade...” – Titãs
O livro “Memórias Estudantis, da fundação da Une aos nossos dias”, da historiadora Maria Paula Araujo, relata que as primeiras campanhas pelo direito à meia-entrada surgiram na década de 1930. Dyneas Aguiar, que foi presidente da União dos Estudantes Secundaristas Paulistanos, relata no livro que os jovens realizavam manifestações criativas para exigir esse benefício. Ele conta que na luta pela meia-entrada nos cinemas os estudantes inventaram a “fila boba”:
“Do largo do Paissandu até a Avenida Ipiranga (centro de São Paulo) havia uns oito a nove cinemas, frequentados por pessoas que iam de chapéu, vestido longo, todos bem arrumados. O cinema era um acontecimento, principalmente nos sábados e domingos. Nós organizávamos a fila boba, ou seja, 50 a 60 estudantes ficavam na fila da bilheteria pedindo meio-ingresso. Com isso, todo mundo perdia o começo do filme, ninguém entrava na sessão das oito. Depois, ninguém entrava na sessão das dez. E eles não podiam fazer nada, não podiam prender porque você estava numa fila, sem fazer absolutamente nada”.
O direito a meia-entrada é uma conquista histórica, mas não resolve o problema de acesso à cultura da juventude, da mesma forma que o meio-passe não garante o acesso dos estudantes à educação. Por isso, não basta pagarmos 50% de desconto. É preciso que o governo invista na cultura, construa teatros, shows, cinemas públicos que garantam a entrada gratuita dos estudantes. Devemos exigir investimos públicos para cultura. Para isso, é preciso romper com o pagamento da divida pública, que garante todos os anos cerca de 50% do orçamento da União para a Dívida pública e menos de 1% para cultura. Essa é a verdadeira tarefa das entidades estudantis: organizar os estudantes na luta por direitos inteiros e não pela metade.
Fonte: http://zip.net/bsk5Bd
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