Terminei o livro Como morrem os pobres e outros ensaios, uma coletânea de textos sobre diversos temas de George Orwell. É um livro de opiniões e reflexões interessantes, que pretendo comentar aqui. A parte do livro que pretendo falar agora é sobre um texto intitulado: O espírito esportivo.
O texto data de 14 de dezembro de 1945. Ou seja, alguns meses após o fim da segunda guerra, que em solo europeu acabou em oito de maio e no extremo oriente, em dois de setembro. Orwell relata a visita de uma equipe de futebol russa, Dínamo, à Inglaterra.
Segundo ele, a visita do clube só pôde influenciar de maneira negativa as relações entre a Grã-Bretanha e a Rússia, pois o sentimento de disputa do esporte provoca sentimentos ruins. O autor de 1984 diz que em dois, dos quatro jogos realizados, houve confusão, em um deles pancadaria foi generalizada desde início. Abaixo copilei uma parte do texto que comentarei abaixo:
“Quase todos os esportes praticados hoje em dia são competitivos. Joga-se para ganhar, e o jogo faz pouco sentido se não fizermos o máximo para vencer. No campo da aldeia, onde você escolhe lados e não há nenhum sentimento de patriotismo local envolvido, é possível jogar simplesmente pelo divertimento e pelo exercício; mas assim que surge a questão de prestígio, assim que você sente que você e uma unidade maior serão execrados se perderem, despertam os instintos combativos mais selvagens. Quem já participou de um jogo de futebol, nem que seja na escola, sabe disso. No cenário internacional, o esporte é um arremedo de guerra. Porém, o mais significativo não é o comportamento dos jogadores, mas atitude dos espectadores, das nações que ficam furiosas em relação a essas disputas absurdas e acreditam seriamente – ao menos por períodos curtos- que correr, saltar e chutar uma bola são teste de virtude nacional.” (pg. 335)
Para o autor da citação a disputa do time inglês com o time russo instigou na população um sentimento de rivalidade, em que a vitória era uma questão patriótica. Quando afirma que o esporte, nas disputas internacionais, é um arremedo de guerra, ele está descrevendo a forma como a população vibra diante de uma partida de futebol ou uma luta de Boxe. Parece que o destino da nação depende disso.
É importante frisar que a época em que o jogo ocorreu era delicada. Os europeus tinham acabado de sair de uma guerra mundial, onde um povo queria matar o outro. Suponho que mesmo a Rússia sendo aliada durante a segunda guerra deveria haver um sentimento hostil aos estrangeiros. Juntamos isso ao sentimento de disputa e rivalidade no esporte, temos um conflito que rememoram a guerra.
Achei essa parte do livro interessante, pois o “patriotismo esportivo” em nosso país é algo muito presente. Podemos citar diversos exemplos de como isso ocorre no Brasil, assim como ocorria na Inglaterra que ele relata. O futebol é o exemplo mais evidente, mas não o único.
Como Orwell diz em outra parte: “Não pode haver muitas dúvidas de que a coisa toda está vinculada à ascensão do nacionalismo- isto é, com o inconsequente hábito moderno de se identificar com unidades de poder maiores e ver tudo em termos de prestígio competitivo”.
A identificação com unidades de poder maiores podem ser os países, mas também os clubes de futebol. O sentimento nacional e de disputa, não é algo restrito só ao esporte. A rivalidade existe entre famílias, escolas, religiões, bairros, cidades e países. Algo que é estimulado pelo capitalismo que envolve prestígio e competição. Somos acostumados a viver com a lógica do vencedor e vencido e o esporte contribui muito com esse modo de pensar.
Outra coisa que o texto me fez pensar foi sobre como o esporte se adapta ao espírito de nosso sistema. Os atletas, sem nenhuma intervenção política, sem nenhuma ação social são tratados como heróis em nossa sociedade. Os ideais de competição se adaptam bem a moral do sistema capitalista. O espírito de competição esportiva é comparado ao espírito de competição capitalista. O jogador de futebol que "venceu na vida" e venceu vários adversários é usado como modelo do capitalismo para a vida do cidadão comum.
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